quinta-feira, 27 de maio de 2010

Tratamento com remédios retrovirais reduz em 92% a transmissão do HIV

Pesquisadores sugerem testes de baixo custo que apontem necessidade ou não do tratamento
Pacientes HIV positivos em tratamento com medicamentos retrovirais têm reduzida em até 92% a chance de transmitir o vírus da sida em relações heterossexuais, aponta estudo publicado na última edição da revista Lancet.
Pesquisadores acompanharam no estudo 3.381 casais de sete países africanos
O estudo, financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates, revelou o benefício que o tratamento antiretroviral oferece principalmente para pessoas com Sida que tenham contagem CD4 de HIV-1 de 200 cópias por ml no sangue.
Os pesquisadores também descobriram que a transmissão do HIV por pessoas com contagem próxima a 200/ml é maior na comparação com aqueles com contagem de aproximadamente 50.000/ml, sugerindo que a aplicação de tratamento com retrovirais no segundo grupo pode ter uma expressiva efectividade na redução de contaminação na população mundial.
No estudo, pesquisadores norte-americanos, comandados pela Dra. Deborah Donell, avaliaram durante 24 meses um total de 3.381 casais de sete países africanos, estes constituídos por um pessoa HIV positivo e um companheiro HIV negativo, que passava por testes de sida a cada três meses. Cerca de 10% dos pesquisados HIV positivos iniciaram o tratamento antiretroviral durante a pesquisa, apresentando contagem CD4 menor de 200/ml. Nesse grupo, a taxa de transmissão ficou em 0,37 em cada 100 pessoas por ano e, após reajuste, revelando uma redução de 92% na contaminação do vírus nos pacientes HIV negativos.
No grupo de pacientes que não estavam fazendo tratamento com antiretrovirais, também com contagem CD4 menor de 200/ml, o índice de transmissão ficou em 8,79 em cada 100 pessoas por ano. Cerca de 70% desses contágios ocorreram por indivíduos com contagem de HIV-1 no plasma acima de 50.000 cópias/ml.
"Desenvolver testes de baixo custo que avaliem a concentração de HIV-1 no plasma ajudará a alertar as pessoas sobre a necessidade de iniciarem o tratamento com retrovirais e, consequentemente, ajudar a reduzir o índice de contaminação da doença", afirmam os pesquisadores no artigo publica.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Alérgicos têm menos probabilidade de ter cancro

Cientistas de diversas universidades americanas sugerem que os alérgicos também têm menos hipóteses de desenvolver cancro. De acordo com a investigação, as reacções adversas estimulam o sistema imunológico, ajudando a evitar diversos tipos de tumor, noticia o site brasileiro Veja.com.
Segundo a Universidade Texas Tech, os asmáticos têm 30% menos probabilidade de ter cancro nos ovários.
Já um estudo coordenado pela Universidade Cornell indica que as crianças com alergia a substâncias transportadas pelo vento, como a poeira, são 40% menos propensas a desenvolver leucemia.
"É difícil provar a ligação [entre alergia e cancro] e vi muita gente céptica quanto a isso, mas o conceito existe e as investigações apoiam-nos ", afirma Ronald Crystal da Universidade Cornell. "As alergias geralmente activam o nosso sistema imunológico", acrescenta.
Os médicos da Cornell destacam ainda que as alergias podem reduzir o risco de uma criança ter cancro na garganta, pele, pulmão e intestinos.
Na Universidade do Minnesota, investigadores dizem que as alergias podem diminuir os riscos de linfoma não-Hodgkin e cancro no estômago.
Já os cientistas de Harvard observaram uma "intensa relação" entre o cancro no cérebro e a asma, o eczema, a febre dos fenos e outras alergias.
Há ainda um estudo canadiano que sugere que os alérgicos têm 58% menos hipóteses de desenvolver cancro no pâncreas.

sábado, 22 de maio de 2010

Portugal: 25 espécies em perigo

Quercus revela lista para prioridade na conservação

Morcego dos Açores, boga portuguesa, freira da Madeira, furo bucho, priôlo, escalo do Mira, lobo-marinho, silene rothmaleri, plantago almogravensis ou narciso do Algarve são algumas das 25 espécies que a Quercus considera exigirem cuidados prioritários de conservação, escreve a Lusa.
A associação ambientalista escolheu 25 espécies, 13 de vertebrados e 12 da flora, características de algumas regiões portuguesas ou ibéricas e que estão em perigo de extinção, tendo escolhido o Dia Internacional da Biodiversidade, que se assinala no Sábado, para divulgar a lista.
O lince ibérico, alvo de um programa de recuperação de Portugal e Espanha, é a espécie listada mais conhecida devido às várias iniciativas de sensibilização para a sua conservação e reprodução em cativeiro para posteriormente libertar animais no seu habitat natural.
Paulo Lucas, da Quercus, explicou que o objectivo da iniciativa é «salientar a necessidade e a urgência de se efectuar uma conservação activa das espécies e dos seus habitats» pelas associações e entidades públicas.
Ficaram de fora alguns «grupos», como os invertebrados, musgos e líquenes, para os quais o conhecimento científico ainda é insuficiente para a elaboração de listas correctas, especificou.
A razão mais frequente para a situação de ameaça das espécies relaciona-se com os habitats, afectados pela acção humana ou por alterações naturais.
Entre as espécies apontadas pela associação estão alguns peixes como a boga portuguesa, que se encontra nas bacias hidrográficas do Tejo e Sado, o saramugo, da bacia do Guadiana, o escalo do Mira ou o boga do sudoeste, dos rios Mira e Arade.
Na lista está o priôlo, uma ave endémica da ilha de S. Miguel, «criticamente em perigo», principalmente devido à perda de habitat favorável, pois a floresta laurissilva é «fortemente pressionada» por espécies vegetais invasoras, explica a Quercus, acrescentando que está em curso um programa de preservação da espécie.
Igualmente do arquipélago açoriano é o morcego dos Açores e a estrelinha da ilha de Santa Maria, enquanto a freira da Madeira é uma ave endémica do arquipélago madeirense e é considerada «uma das espécies de aves marinhas mais ameaçadas da Europa».
O lobo marinho é uma espécie «criticamente em perigo de extinção a nível global», com um baixo efectivo populacional, que surge como residente no arquipélago da Madeira, segundo a Quercus.
Entre a flora, a marsilea quadrifolia, uma espécie semi-aquática, «encontra-se em estado crítico e pensa-se que poderá estar extinta na natureza», embora tenha sido localizada na margem do Douro, em Trás-os-Montes.
A plantago algarbiensis, corre «sério risco» devido à acção humana e a sua área de distribuição limita-se a 30 hectares na região de Tunes, Guia e Algoz.
A única população mundial conhecida do narciso do Algarve localiza-se nas margens da ribeira de Quarteira e a veronica micrantha está afectada pela redução progressiva dos carvalhais.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Supercomputador usado para desenvolver medicamentos

Um supercomputador de um centro de investigação do Texas (Estados Unidos) está a ser utilizado para desenvolver novos medicamentos de forma mais rápida e barata, anunciou a Fundação Nacional de Ciência norte-americana, noticia a Lusa.
A fundação, que é uma das financiadoras do projecto, explicou que a descoberta de um novo medicamento resulta de um «esforço hercúleo», já que, em média, leva 15 anos e mais de 800 milhões de dólares (cerca de 648 milhões de euros) gastos em pesquisa e desenvolvimento.
Por isso, o uso de informática avançada é «crucial», uma vez que pode simular virtualmente a ligação entre proteínas e iões ou moléculas e de uma forma muito mais rápida do que em laboratório.
As possibilidades de cura são, assim, reduzidas de milhões para centenas de hipóteses. Vários medicamentos que inibem o desenvolvimento do vírus VIH foram descobertos assim, informou ainda a fundação.
O trabalho está a ser desenvolvido pelo cientista Pengyu Ren. Este professor de engenharia biomédica na Universidade do Texas, em Austin, está a tentar resolver a questão de existir um grande grupo de ligações entre proteínas e moléculas.
A equipa do investigador está a testar e a desenvolver modelos computacionais para «reproduzir os dados experimentais relatados na literatura [académica]».
Este estudo é apresentado como um dos mais abrangentes nesta área através de simulações de todos os átomos.
«Antigamente, os atalhos eram necessários para se conseguir maior velocidade. Os investigadores fizeram aproximação de modelos físicos porque os computacionais eram muito caros», notou Pengyu Ren. «Agora, neste recurso ao computador, também é acrescentado um trabalho adicional do ramo da Física para «obter previsões mais precisas».
Estão a ser aplicados 200 conjuntos de 10 famílias de proteínas e o resultado que for considerado como mais eficaz e que seja comprovado de «forma consistente», os químicos deverão utilizá-lo, considerou Michael Gonzalez, director de programa de Ciências da Vida no mesmo centro norte-americano.
Ren também procura inibidores de proteínas que podem estar envolvidos em cancro ou outras doenças.
«Em caso de sucesso poderão ser projectadas possibilidades de medicamentos mais potentes, mas com menos efeitos secundários», afirmou.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Paralisia Cerebral

O que é a Paralisia Cerebral?
A Paralisia Cerebral é uma perturbação do controlo da postura e movimento que resulta de uma anomalia ou lesão não progressiva que atinge o cérebro em desenvolvimento.
Em cada 1000 bebés, em média dois serão afectados por Paralisia Cerebral.
Há um enorme espectro de gravidade. Algumas crianças terão perturbações ligeiras, quase imperceptíveis. Outras terão grave incapacidade, sendo totalmente dependentes nas actividades da vida diária.

Problemas associados
Para além das perturbações motoras, são frequentes nas pessoas com Paralisia Cerebral: atraso cognitivo, perturbações visuais e auditivas, epilepsia, dificuldades de aprendizagem e défice de atenção. Nas formas tetraparéticas são ainda comuns dificuldades alimentares, perturbações nutricionais e infecções respiratórias.
As alterações motoras da Paralisia Cerebral aumentam ainda o risco de patologia ortopédica secundária.

Quais são as causas de Paralisia Cerebral?
Numa grande parte dos casos as causas estarão presentes antes do nascimento da criança (causa pré-natal). Destas, algumas crianças nascem com malformações cerebrais que podem ser o resultado de exposição a tóxicos ou infecções durante a gravidez.
As lesões cerebrais podem instalar-se durante ou pouco tempo após o nascimento (causa pré-natal). Em maior risco destas lesões encontram-se os prematuros (principalmente grandes prematuros), os recém-nascidos de muito baixo peso de nascimento, os que têm asfixia grave ao nascer, os que sofreram hemorragias cerebrais.
As principais causas de Paralisia Cerebral após o nascimento (pós-natal) são a asfixia, os traumatismos cranianos, e as sequelas de infecções afectando o cérebro.
Num grande número de casos não é possível, actualmente, determinar a causa da Paralisia Cerebral.

O diagnóstico e o prognóstico da Paralisia Cerebral
O diagnóstico de Paralisia Cerebral é habitualmente suspeitado pela associação de atraso na aquisição das competências motoras e alterações do tónus muscular, reflexos e padrões de movimento.
Nos primeiros meses de vida é por vezes difícil estabelecer o diagnóstico e o prognóstico (previsão das limitações que a criança terá no futuro), sendo por vezes necessário aguardar alguns meses até que possam ser assumidos com segurança.
A Paralisia Cerebral resulta de perturbações cerebrais de natureza não progressiva pelo que a perda de capacidades (regressão) não é característica da Paralisia Cerebral.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Notas Soltas 3 - Desporto

Somos um país que temos o desporto enraizado nos nossos genes.
Desde a escola que os alunos são convidados a praticarem actividades desportivas, nomeadamente nas aulas de Educação Física.
Muitas vezes neste tipo de aulas os alunos portadores de deficiência ficam impossibilitados de praticar certas actividades recreativas e isso pode-lhes causar frustrações, pois estes educandos também têm o direito de apreciar a excelência do desporto e de o praticar.
Isto tanto pode acontecer por falta de material adaptado ou por desconhecimento desses mesmos equipamentos por parte do corpo docente, conhecimento esse que permitiria uma readaptação das actividades, para que houvesse uma maior e melhor integração da pessoa no seu todo.
Alguns destes alunos conseguem ultrapassar este estigma e até equacionar seguir uma actividade desportiva como meio profissional. Mas ficam só por esta intenção, pois esbarram numa sociedade que só lhes reconhece o estatuto de atleta no papel, porque na prática lhes põem nas costas o peso árduo de terem de suportar todas as custas do dia-a-dia de uma carreira desse calibre.
Isto mais irónico parece (para não dizer triste) quando se tratam de atletas federados e medalhados, não só a nível nacional como internacional, os quais, para poderem competir nesses eventos desportivos em que elevam ao poste mais alto as “quinas” da bandeira nacional, têm de recorrer a apoios de pessoas amigas ou familiares com vista a aquisição de material que lhes permita enfrentar de cabeça erguida as provas para as quais se dedicam de corpo e alma.
Certamente que um pouco mais de divulgação por parte dos meios de comunicação social (não só aquando dos Jogos Paraolímpicos) destes “campeões desconhecidos” (nomeadamente no acompanhamento televisivo de provas a nível dos diversos campeonatos nacionais) lhes daria uma maior projecção e, com isso, certamente que o número de patrocínios acabaria por aparecer.
A meu ver, esta parceria beneficiaria ambas as partes e daria outra projecção do desporto adaptado português.

domingo, 16 de maio de 2010

Hormonas de crescimento na regeneração de lesões

Artigo no DN

Contra todas as previsões dos clínicos, um jovem espanhol recuperou a 100% de um acidente de automóvel. Foi o próprio pai, médico e investigador, quem decidiu aplicar-lhe um método pioneiro que utiliza hormonas de crescimento na regeneração de lesões. Os médicos portugueses dividem-se sobre este novo tratamento: para uns é uma esperança para doenças neurológicas; para outros levanta ainda muitas dúvidas éticas e de segurança.
Uma clínica espanhola, em Santiago de Compostela, promete resultados surpreendentes na cura de doenças cerebrais e de deficiências motoras, com a aplicação de hormonas de crescimento. Os benefícios destas substâncias produzidas naturalmente na hipófise (glândula situada na base do cérebro) são reconhecidos por exemplo para aumentar a altura em pessoas com problemas de crescimento. Mas, na regeneração dos neurónios, este programa é pioneiro.
Com este tratamento, o director do Centro de Reabilitação Foltra, Jesús Devesa, professor catedrático na Universidade de Santiago de Compostela, conseguiu recuperar o filho, que ficou com lesões cerebrais depois de um grave acidente de carro. Foi o seu primeiro doente. E Pablo, hoje com 29 anos, conseguiu voltar a andar, falar e comer. Depois dele, o tratamento foi usado noutros 300 doentes paraplégicos ou com deficiência mental congénita ou adquirida. "Injectamos hormonas de crescimento na área subcutânea do braço, que induzem a produção de células--mãe e regeneram os tecidos danificados", descreve Jesús Devesa ao DN, assegurando uma taxa de sucesso na casa dos 90%. Entretanto, a descoberta veio a público em Espanha e a técnica vai ser aplicada também num centro de paraplégicos de Toledo.
As hormonas de crescimento seriam uma solução para os 150 mil portugueses com deficiência motora ou os 75 mil que sofrem de lesões cerebrais? Ou ainda os 200 novos casos de crianças com paralisia cerebral que nascem por ano em Portugal? Os médicos dividem-se. Embora não conheçam bem o tratamento, uns acreditam que pode ser uma esperança nos casos de paraplegias. Para outros é uma "aplicação meramente experimental e episódica", sem explicações científicas fundamentadas e com implicações no plano ético e da segurança.
Pablo Devesa tinha saído de casa para se encontrar com os amigos, quando um acidente de viação o lançou num coma profundo durante um mês. "Lembro--me estar a chover muito e de eu ter embatido numa casa", conta o biólogo ao DN. Depois, ficou tudo escuro e imóvel.
O acidente atirou--o para uma cama nos cuidados intensivos, com um traumatismo cranioencefálico e uma hemiplegia - uma paralisia das funções de um lado do corpo. "O traumatismo comprometeu o lado esquerdo do meu cérebro. Quando acordei, os médicos não me davam muitas esperanças de recuperação. Não conseguia falar, comer ou andar", lembra Pablo.
Já em casa, o pai, Jesús Devesa, não hesitou em aplicar no filho os ensinamentos que desenvolvera durante anos em laboratório. "Estava consciente do que fazia. Sabia que era eficaz e tinha de acreditar nisso", sublinha o médico.
Durante os meses seguintes, Pablo recebeu diariamente uma dose de hormonas de crescimento (produzidas industrialmente a partir de engenharia genética), em ciclos de 15 dias. "O seu efeito chega às zonas onde está a lesão, levando à proliferação de células-mãe e restituindo os estímulos nervosos no local afectado", diz Pablo. O tratamento era articulado com um plano intensivo de fisioterapia.
"Cada caso é um caso e a dose a aplicar depende da doença, da idade e do progresso do paciente", indica Jesús Devesa, acrescentando: "Nas crianças, o processo de recuperação é mais rápido, pois a neuroplasticidade promove uma proliferação mais célere das células".
Pablo tinha 22 anos, e a sua recuperação fez-se em oito meses. "Fiquei curado, sem sequelas. A recuperação foi a 100%. Hoje levo uma vida completamente normal, como qualquer jovem. Jogo futebol, bebo um copo com amigos."
Mais: está há um ano a trabalhar no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, como investigador, e a terminar a tese de doutoramento a defender dentro de semanas. A base da investigação? O seu próprio caso e as implicações das hormonas de crescimento no processo de neuroregeneração.
"É um trabalho que segue as linhas de orientação da investigação do meu pai. Quero comprovar os resultados em humanos, sem efeitos secundários, no sentido de dar uma base científica mais aprofundada", diz Pablo Devesa.
O tratamento não é consensual nos especialistas portugueses. José Luís Medina, director do Serviço de Endocrinologia do Hospital de São João, mostra-se optimista: "Cientificamente devemos esperar pelos resultados do estudo, mas é uma esperança." "Devido às suas propriedades de crescimento e proliferação celular, talvez se possam obter alguns efeitos em situações como esta", diz Manuela Carvalheiro, presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo.
Já Fernando Baptista, do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, é mais céptico. "Será uma aplicação meramente experimental e pode ser geradora de falsas expectativas", alerta. "Nos últimos anos têm sido demonstrados outros efeitos a nível metabólico, mas não é o caso dos efeitos eventualmente neuroregeneradores deste caso."
O presidente da Sociedade Portuguesa de Neurociências, João Malva, coordenador da equipa onde trabalha Pablo Devesa, no centro de neurociências, mostra-se bastante crítico. "É um tratamento que tem implicações sérias no plano ético e da segurança, uma vez que a hormona do crescimento pode trazer problemas secundários muito significativos associados à proliferação descontrolada de células, como em tumores", avisa o biólogo. "Acreditar na sua eficácia é uma questão de fé, porque do ponto de vista científico não há explicações fundamentadas. Mas a motivação dos pacientes pode fazer milagres", conclui.
Tratamento para aumentar tamanho custa 20 mil euros
A hormona de crescimento já é usada há algumas décadas mas para tratar casos de insuficiência da hormona no organismo.
As hormonas de crescimento são normalmente aplicadas em pessoas com carência desta substância no organismo. "Utiliza-se em crianças para promover o seu crescimento em situações de deficiência de secreção associada a doenças da hipófise e também em situações genéticas acompanhadas de baixa estatura", explica Fernando Baptista, do serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
Uma dessas aplicações é na síndrome de Turner, caracterizado pela baixa estatura dos portadores - há cerca de dois mil casos em Portugal. Esta síndrome tem várias anomalias associadas, como uma baixa capacidade auditiva, com repercussões na aprendizagem, ou a hipofunção ovárica, que leva à infertilidade.
É ainda usada para promover o crescimento em crianças com insuficiência renal crónica e, mais recentemente, foi aprovada a sua utilização na baixa estatura associada ao atraso do crescimento intra-uterino.
Nestes casos, quando a deficiência de hormona de crescimento se manifesta na infância, o tratamento faz-se logo após o diagnóstico com a respectiva hormona, administrada diariamente em injecções subcutâneas.
"O objectivo deste tratamento é garantir um desenvolvimento o mais próximo possível do normal", sublinha Fernando Baptista.
Os custos do tratamento por pessoa rondam os 20 mil euros. Por ser um tratamento muito caro, é comparticipado a 100% pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) no caso das crianças.
"A utilização na deficiência de secreção grave do adulto ainda não é comparticipada pelo SNS, embora seja uma indicação consensual na comunidade científica", completa o endocrinologista Fernando Baptista.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

PARA LÁ DO QUE A JANELA MOSTRA

Foi só hoje que partiste e já tenho saudades de ti, Pedro.
Depois de termos estado internados nesta mesma enfermaria de duas camas, recordo, com profunda gratidão, tudo o que partilhámos e o que de mais belo me ensinaste.
Estávamos ambos gravemente enfermos.
Eu tenho de permanecer constantemente de costas e de olhar fito num tecto que se perde num branco sufocantemente doentio, pois não consigo sequer rodar o pescoço um milímetro que seja. A ti, os médicos autorizavam-te a sentares-te na cama, por alguns minutos, três vezes ao dia.
O teu leito ficava do lado da única janela do quarto.
Conversávamos horas a fio acerca de tudo e de nada. Mas sobretudo, recordávamo-nos dos tempos de saúde, das nossas mulheres e filhos.
As nossas doenças atiraram-nos para um destino comum de dor e de permanência indefinidamente prolongada, sem esperanças de regressar a casa.
E com o decorrer dos anos, se alguma réstia de esperança havia, foi-se esboroando por inteiro.
Progressivamente, até as nossas famílias reduziram a frequência das visitas.
- Ai Pedro, há tantas semanas que não vejo a minha Rosa e os meus filhos. – suspirava eu.
- Eu cá já nem me lembro bem da última vez em que a minha Célia e o meu Filipe cá vieram.
- Dói-me tanto sentir que se foram cansando de me verem assim. Perder a saúde já é muito pesado, mas estar sem ver os que mais amo...
- De nada nos adianta curtir mágoas e alimentar sofrimentos maiores. Encaremos a vida que nos resta agradecendo o facto de nos termos, um ao outro, por companheiros do mesmo barco. – aconselhaste-me com voz serena e apaziguadora.
- É, tens razão, Pedro. Vivamos esta viagem juntos, enquanto tal for possível. – aquiesci.
Após um curto silêncio, pedi-te:
- Faz-me um favor, prime a campainha. Necessito que a enfermeira me dê de beber.
- Prepara os ouvidos, Tomé. Ainda há pouco trouxe-me a aparadeira e vai já reclamar contigo.
- Eu sei... mas já estou habituado aos seus protestos; não sei é sofrer com sede.
E assim foi. A enfermeira Sofia não perdeu a ocasião para resmungar a ladainha do costume:
- Ai Sr. Tomé, Sr. Tomé, sempre se lembra de ter sede a cada hora! Eu já estou de saída.
- Porém, eu sempre cá fico e não escolho as horas para satisfazer as minhas necessidades básicas. De mais a mais, entre a sua saída e a entrada da sua colega tenho mais de trinta minutos de espera. E se aguardo pela mudança de turno, a enfermeira Joana vai logo rezingar: “Estava mesmo à esperinha que eu entrasse ao serviço”! Já pensaram que se respingassem menos e se se preocupassem em cuidar de nós com mais humanismo contribuíam mais para atenuar o nosso desconforto e era-vos bem mais agradável cumprir a vossa missão?
A mulher de branco retirou-se, impávida, como quem nada escutou ou observou de novo.
- Bem que te avisei que ias ouvir. – reafirmaste tu.
- Mal por mal, prefiro que a mulher refile do que entre e saia da enfermaria como se não tivesse língua e sempre com a mesma expressão de enfado e de indiferença por nós.
- Lá nisso concordo plenamente contigo. Também detesto ser ignorado ou tratado como um fardo inútil arremessado para um canto até que apodreça e feda.. – galhofaste tu, provando-me que os longos anos de doença segregadora ainda não te tinham surripiado a capacidade de rir e de fazer rir.
- Mas desesperante e desolador é o Dr. Feliz-Morte estar vários dias sem nos visitar e, quando o faz, fazê-lo de relance, como se temesse ser contagiado. Só aquele distante e frio olhar com que nos fita sem nos fitar confirma o fim que nos aguarda. – opinei.
- É lamentável que nunca lhe tenham ensinado que enquanto não morremos estamos vivos. – comentaste.
- Infelizmente, o doutor não está nada longe da verdade. – disse-te eu, em tom de resignação.
- Talvez; porém, enquanto acordar estou vivo! Enquanto puder sonhar não me cortem as asas do sonho! – redarguiste com uma perseverança e energia que sempre foram superiores às minhas. – Enquanto puder, não abdico de presenciar o nascer do sol.
- Por falares nisso... O que vês hoje através da tua janela? – questionei-te, ansioso por escutar as tuas preciosas descrições.
- Aguenta um pouquinho. Deixa-me soerguer e acomodar-me com jeito. A minha coluna hoje quer que a trate com toda a delicadeza. – gracejaste.
- Se não te sentes com forças, não te sacrifiques demasiado por minha causa. – tranquilizei-te.
- Se não nos esforçarmos por confortarmo-nos e alentarmo-nos um ao outro, por quem o faremos e quem o fará por nós?
Após várias tentativas fracassadas para te soergueres, acabaste por vencer mais uma vez.
- Temos o mar calmíssimo. – principiaste.
- Daqui vês o mar? – considerei, deveras surpreendido. – Nunca supus este hospital junto ao oceano.
- É. E vai a passar um navio e pêras! – acrescentaste.
- Nunca viajei de barco. – confessei. – Deve ser fascinante!
- Acredita que sim, Tomé.
- Viajaste muitas vezes?
- Sim. Cumpri o serviço militar na marinha. É delirante estarmos entre céu e mar e nada mais vermos à nossa volta.
- Apanhastes alguns sustos? – perguntei.
- Pouquíssimos. Mais no início. Com a falta de experiência, apavorava-me nas tempestades ver ondas enormes cobrir-nos o barco de água.
- E não quiseste seguir carreira?
- Até queria, mas tinha em terra o amor de Célia e o Filipe a quatro meses de nascer. A vida de marinheiro não me permitiria estar sempre perto deles os dois.
- Todavia, há algo que me intriga, Pedro.
- Como assim?
- As maravilhosas e diversificadas paisagens que vislumbras dessa janela. O mar; os belos jardins e lagos; as graciosas noivas a entrarem na igreja; os bandos de pássaros que, ora se libertam, ora se recolhem às verdes árvores.
- Lá fora há sempre novidades e uma vida boliçosa. No jardim que ladeia o lago vicejam as primeiras flores desta Primavera e um par de namorados trocam carícias e palavras poeticamente amorosas.
- E como está o casal de cisnes brancos?
- Vogam imponentes pela água calma e límpida. O cisne pavoneia-se a cortejar a fêmea, que dá mostras de desinteressada, mas traz um olharzinho de quem se apresta para mergulhar no peito do seu amado.
- Que lindo! – exclamei.
- Atenta nas gargalhadas das crianças. – sugeriste-me.
Pus-me à escuta.
- É estranho, mas os meus ouvidos já não alcançam nem a alegre algazarra da miudagem. – disse-te, pesaroso, pois aquela constatação era mais uma prova que o meu ser cada vez estava mais confinado à asfixiante estreiteza e finitude daquela enfermaria.
- A rapaziada corre, salta, ri, grita e canta por entre os canteiros e as pombas que esvoaçam em cruzeiros sem rotas, desenhando no azul do céu graciosas cataratas de vida e liberdade.
E decorriam dias, meses e anos.
Com a vivacidade que punhas nas tuas coloridas e sonoras descrições, numa tarde até acreditei escutar as notas musicais soltadas pelos instrumentos de uma filarmónica que tu dizias ver marchar na calçada.
Entretanto, ontem, manhã serena e clara, a enfermeira Jacinta só encontrou o teu corpo hirto; a tua alma voara já rumo a uma liberdade por ti sonhada e, que de agora em diante, jamais loquete algum ousaria agrilhoar.
A enfermeira Jacinta fitou no meu, o seu olhar húmido.
Foi por entre lágrimas cintilantes que afirmou:
- O Pedro partiu e deixou-nos uma terna recordação.
E pegando no seu espelho pessoal, indicou-me:
- Olhe para aqui, Tomé.
E chorámos os dois ao vermos ali o suave sorriso com que nos brindaste na hora da tua maior vitória.
E descoberta das descobertas. Uma enfermeira também se comove e é capaz de chorar..
- Sabe uma coisa, enfermeira Jacinta?
- Diga lá, Tomé.
- Apetecia-me dar-lhe um grande beijo.
- A mim? Porquê?
- Há tantos anos que aqui estou e nunca antes vira o vosso lado humano. Pareceis sempre tão indiferentes ao sofrimento. Estais tão distantes de nós; tão longe das nossas angústias e medos. Será que vos passa pela cabeça que temos sentimentos, esperanças e sonhos? Será que nos considerais míseros doentes ou nos tendes como pessoas com direitos e deveres?
- Não é nada fácil tratar de doentes.
- Tentai antes cuidar de nós como pessoas que estão doentes e não de doentes que deixaram de ter o estatuto de pessoa apenas porque a saúde nos abandonou temporária ou definitivamente no conceito meramente clínico da palavra. – argumentei.
- Mas, para nós, se um doente não for clinicamente curado, o nosso esforço foi um fracasso.
- Tendes de ter e de nos ajudardes a termos horizontes mais largos em relação ao conceito de cura.
- Como assim?
- É preciso que compreendais que quando a cura física não é possível, essas feridas abertas podem e devem ser fonte de crescimento espiritual.
- Julgo não entender bem.
- Se a pessoa que está doente descobrir que o seu ser não é só carnal mas também, e essencialmente, espiritual, vai perceber que a sua vida não se confina às amarras de um corpo, mas que ganha asas para voar sem limites.
- Desculpe lá, Tomé, mas esta conversa está a tornar-se demasiado filosófica para os meus 65 outonos. – desculpou-se.
Aproveitei aquele momento mais sensível da mulher de branco para formular-lhe o desejo de, logo que possível, ser transferido para a que fora a tua cama.
- Sim, Tomé; eu própria encarregar-me-ei de satisfazer esse seu desejo.
- Ficar-lhe-ei muito grato.
- Seria muita curiosidade de minha parte se lhe perguntar o porquê desse seu veemente rogo?
- Não, esteja à vontade.
E, ao explicar-lhe como as tuas belas descrições, fruto do que visualizavas através da janela, me aqueciam o coração, observei que, a cada palavra que eu ia proferindo, a enfermeira Jacinta estremecia e o seu delgado rosto se contraía num esgar de surpresa e de angústia crescente.
- Não se está a sentir bem, senhora enfermeira?
- Estou muito impressionada com o que o Tomé acabou de contar.
- Ora essa! Então, porquê?
- Bom... é que... o Pedro era cego!
- Era cego?!
- Sim, Tomé! E a juntar à sua cegueira, diante da janela apenas existe um muro alto que nada deixa ver para o exterior, além de uma nesga de céu.
Agora fui eu quem estremeceu.
Ó Pedro, Pedro, tu eras cego! E eu, mais cego fui por, ao longo de tantos anos de uma convivência que julgava extremamente tão próxima, nunca detectar que os teus olhos nada viam e que tanto me fizeram ver para lá do que a janela mostra.
Obrigado, Pedro, por teres sido capaz de sonhar e de me fazeres sonhar

(Américo Azevedo, in “Sonho Acordado”)